Vegetação nativa e riachos: evit
ando
colapsos da biodiversidade
Tomadores
de decisões e conservacionistas têm sido desafiados com a tarefa de proteger os
ambientes aquáticos em distintas partes do mundo, estabelecendo e implementando
limites às alterações provocadas pelas ações humanas. As plantações, a pecuária
e a urbanização, embora sejam essenciais para nós, estão entre os usos do solo
que têm empurrado os ecossistemas aquáticos em direção ao colapso. Isso
significa comprometer serviços ecossistêmicos vitais fornecidos pelos ambientes
de água doce, como o controle de enxurradas e de doenças, a purificação da água
e o fornecimento de alimento. Quando isso ocorre, uma parte significante da
biodiversidade é perdida. Uma estratégia adotada em muitos países é a proteção
de faixas de vegetação nativa no entorno de riachos, rios e lagos, abrangendo
as zonas de vegetação ripária ou ciliar. No Brasil, essas reservas são chamadas
de Áreas de Preservação Permanente (APPs). As APPs são implementadas tanto em
propriedades particulares quanto em áreas públicas. Contudo, algumas questões
permanecem em aberto do ponto de vista científico. Quanto devemos proteger para
prevenir colapsos da biodiversidade aquática? Existe um tamanho único que pode
ser usado para estabelecer regulamentos em grandes regiões ou continentes?
Podemos reduzir o risco de se aproximar desses colapsos?
Um
artigo recém publicado no prestigiado periódico Journal of Applied Ecology
explorou essas questões em uma das regiões mais ricas do mundo em termos de
ambientes de água doce - a região Neotropical. Com a colaboração de 50
pesquisadores de 26 instituições de pesquisa, os autores reuniram uma grande
quantidade de dados sobre peixes e invertebrados de riachos distribuídos na
maioria dos biomas brasileiros (Figura 1). Para obter todos esses dados, cada
pesquisador realizou anos de trabalho, coletando, identificando e organizando
dados sobre os ecossistemas aquáticos do Brasil. Esse trabalho é fruto de uma
iniciativa abrangente que busca aumentar a colaboração dos pesquisadores
brasileiros em distintas áreas - o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
(INCT), financiado pelo Governo Federal (CNPq) e Estadual de Goiás (FAPEG).
“Especificamente, o INCT-EECbio, é voltado a fomentar grupos de pesquisa que ajudem
a solucionar problemas da conservação da biodiversidade”, explicou o Dr. José
Alexandre F. Diniz Filho, professor da Universidade Federal de Goiás e
coordenador do INCT-EECBio (para mais informações, visite
https://www.eecbio.ufg.br/).
“Esta
é a primeira vez que questões envolvendo o efeito da degradação ripária sobre a
biodiversidade aquática são investigadas com uma grande quantidade de dados,
para distintos biomas”, afirmou o Dr. Renato B. Dala-Corte, primeiro autor do
estudo e pesquisador de Pós-Doutorado na Universidade Federal de Goiás. “Nós já
sabíamos com base em outros estudos que proteger a vegetação ripária é a chave
para manter os ecossistemas de água doce saudáveis e para proteger a
biodiversidade. O que nós não sabíamos é se existiam padrões consistentes ao
longo de grandes regiões e se nós poderíamos recomendar um tamanho único de
reserva ripária que maximizasse a proteção da biodiversidade ao mesmo tempo que
permitisse a adoção das práticas comuns de uso do solo no restante da paisagem”.
Em sua investigação, os autores utilizaram imagens de satélite para detectar
mudanças no entorno dos riachos, combinadas com uma abordagem de estimar pontos
abruptos de alterações da biota (limiares) baseados em indicadores biológicos.
“Esses limiares ocorrem quando vários indicadores biológicos respondem de forma
similar a uma certa quantidade de perda de vegetação ripária”, complementa
Renato B. Dala-Corte.
Os
resultados são surpreendentes. O estudo sugere que não existe um valor único de
largura de vegetação ripária que pode garantir que os ecossistemas aquáticos
não irão sofrer mudanças abruptas de biodiversidade devido às pressões de uso
do solo. “Não existe um número mágico”, como os próprios autores afirmam em seu
artigo, uma vez que a variação entre biomas e tamanhos ripários avaliados foi
muito elevada. “Esse resultado tem implicações diretas sobre o manejo de
reservas ripárias (APPs), porque as regulamentações e leis implementadas nos
distintos países usam um único tamanho para limitar o uso do solo em escala
nacional, sem levar em consideração particularidades regionais ou o tipo de
atividade antrópica. Além disso, as reservas ripárias são geralmente pequenas
demais”, explica Dala-Corte. “Para o Brasil, um país de escala continental, faz
sentido que um tamanho único não sirva para tudo, o que sugere que muitos
ecossistemas aquáticos no país estejam próximos ou já tenham ultrapassado os
limiares que levam a perdas abruptas de espécies”, ele conclui.
Outra
descoberta do estudo diz respeito ao tamanho mínimo das reservas ripárias.
Evidências consistentes sugerem que quanto maior as reservas ripárias, menor é
o risco de ultrapassar os limiares que levam a declínios abruptos de
biodiversidade aquática. Dentro do menor tamanho ripário avaliado (50 metros), a
perda de apenas 6,5% de vegetação nativa ripária, em média, já foi suficiente
para alcançar declínios acentuados de invertebrados aquáticos. Na Amazônia,
esse valor foi de apenas 2,9%. Quando um tamanho ripário maior foi avaliado
(500 metros) uma porcentagem quatro vezes maior de perda de vegetação nativa
foi necessária para ultrapassar os limiares. Um padrão semelhante foi observado
para peixes. Isso significa que a sensibilidade às mudanças na faixa ripária
aumenta à medida que nos aproximamos dos riachos e que quase qualquer alteração
na área de 50 metros no entorno dos riachos já é suficiente para desencadear
grandes mudanças na biodiversidade aquática.
“O
Brasil já tem uma lei ambiental (Lei nº 12.651/2012) que obriga a proteção de
APPs de 30 metros de largura no entorno de riachos pequenos, tanto para
propriedades privadas quanto públicas, o que é positivo. Contudo, nosso estudo
sugere que 30 metros é menor do que o mínimo necessário para reduzir o risco de
ultrapassar os limiares de perda de biodiversidade”, afirma Fábio O. Roque,
professor na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, e coautor da pesquisa.
Os autores concluem que os indicadores biológicos mais sensíveis podem ser
usados como sinais precoces que alertam o risco de aproximação de mudanças
abruptas nos ecossistemas aquáticos. O estudo ainda indica a necessidade de
políticas adicionais para a proteção de grandes reservas ripárias na região
Neotropical, as quais devem considerar o contexto regional na formulação dos
regulamentos e promover incentivos aos proprietários de terras particulares
para conservarem largas áreas ripárias.
Os
autores estão disponíveis para entrevistas; ver os contatos abaixo.
Uma
versão oficial do artigo está disponível no site do “Journal of Applied
Ecology” (https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1365-2664.13657),
ou via solicitação aos autores.
Figura
1. Riachos representativos dos quatro biomas
abrangidos no estudo: Amazônia, acima-esquerda (foto Renato T. Martins);
Cerrado, acima-direita (foto Frederico Salles); Pampa, abaixo-esquerda (foto
Fernando G. Becker); Mata Atlântica, abaixo-direita (foto Carina Vogel).